Acho que foi em 2008. Eu era presidente de uma entidade (a ABD) e tinha organizado uma palestra com Syd Field no MIS, gratuita e exclusiva para roteiristas profissionais. Ele já estava no Brasil para dar um dos seus cursos e topou fazer esse “puxadinho”, uma master class de uma tarde. A ideia era atingir pessoas que, trabalhando na área, tinham muita resistência e críticas a ele. Eu já tinha participado de um sem número de debates sobre o tal paradigma do Syd Field. E as pessoas chegavam a falar coisas muito absurdas em relação a ele, o tratav
am como se ele fosse um “agente”, ou da CIA ou pelo menos da MPA, que tinha a intenção de “manipular” as pessoas para fazê-las criar filmes nos moldes americanos. E falavam isso a sério! Enfim, bobageiras sem tamanho. Promovi a palestra com a intenção pia de quebrar barreiras ou de pelo menos tentar tornar o debate mais técnico e menos ideológico. Não sei quantas das 300 pessoas que estavam lá flexibilizaram suas posições. Mas eu fiz minha parte. Vou pro céu.
Pois bem, finda a palestra, fui levar Syd Field até o hotel dele. No caminho conversamos sobre essa resistência quanto ao seu trabalho e ele me disse que isso não acontecia só no Brasil, mas em outros lugares também, como por exemplo, na França o chamavam de “Le Pettit Diable”. :)
Syd Field era um cara muito calmo, um californiano, vegano e budista, um semi (ou um pós) hippie. E foi com esse jeito zen que lá pelas tantas no papo ele disse que nem entendia muito bem por que as pessoas tinham tanta aversão a ele. Complementou dizendo: “afinal, só o que eu faço é ensinar às pessoas como escrever um bom roteiro”. E foi nesse momento que eu cheguei no ápice da minha carreira de professor, foi quando eu ensinei Syd Field PARA Syd Field(!!!). Eu lhe respondi: “Não, você não ensina às pessoas como escrever um bom roteiro, você ensina como os bons roteiros são escritos”. Ele sorriu e concordou.
Isto não é só um jogo de palavras. Syd Field descrevendo seu trabalho desse jeito (“ensino como escrever um bom roteiro”) acabava incentivando e até autorizando a ideia de que ele tinha criado uma “receita de bolo” e a disseminava. E não é isso. Não foi ele quem inventou a estrutura ou o paradigma que ele ensinava. Também não foi Mckee, nem Vogler, nem Campbell, nem ao menos Aristóteles. Ninguém criou o paradigma, ou melhor dizendo, todos nós criamos o paradigma. Ele é parte do inconsciente coletivo, ele é parte do espólio humano, e não depende de disseminação para ser aprendido, nem usado. O que esses teóricos fizeram foi DETECTAR o paradigma e o expuseram didaticamente. Mas ele não tem dono, nem autor, é uma obra coletiva. Ou como muito bem descrevia o próprio Syd Field, isto não é uma fórmula, mas uma forma.
E então resta a pergunta: se esta forma já está presente e é espontânea e incontornável, pra quê se aprende dramaturgia? Pela mesma razão que um músico – mesmo talentoso – aprende música ou um pintor cheio de virtudes aprende as técnicas das artes plásticas: para ter CONTROLE sobre seu trabalho, para ter mais consciência e saber sempre o que está fazendo.
Duas coisas para entender melhor isso: nunca aceite a ideia que alguém tem uma receita para fazer roteiros, porque isto é bobagem. E nunca aceite a ideia que estrutura dramatúrgica é uma “receita”, porque não é.
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