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Blog - Romeu di Sessa

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Embrafilme e Collor e hoje

Tem umas coisas que eu realmente tenho dificuldade de entender. Vi recentemente uma entrevista com a Fernanda Torres (a quem adoro como qualquer pessoa sã adora), que em resumo ela fala do Collor acabando com a Embrafilme, numa canetada, como isso sendo uma coisa muito negativa. Mas em seguida ela mesma diz que teve o “Renascimento” (que normalmente a gente chama de Retomada, mas providencialmente ela deu outro nome) dizendo que muita coisa boa aconteceu, dando de exemplo indicações de filmes nacionais aos maiores prêmios do mundo.

Primeiro de tudo tem uma pergunta “filosófica” tem que ser feita: como pode haver “renascimento” sem que isso seja precedido de morte?

E em termos práticos, faltou ela ligar uma coisa à outra, faltou entender que uma coisa é consequência da outra: como o cinema brasileiro teria chegado onde chegou sem o Collor ter extinto a Embrafilme e colocando no seu lugar o dispositivo muito mais moderno, eficiente e inclusivo, como a Lei do Áudio-Visual? Ou então me diga: Quando que na época da Embrafilme o Cinema Nacional tinha a diversidade que tem hoje?

E nem estou falando só em relação a temas. Pra começar, 70% dos filmes eram feitos por diretores que moravam no Rio de Janeiro (a cidade). Quando na época da Embra teve filme feito em Pernambuco, Goiás, Paraná ou Acre? Na sequência da sonora da Fernanda entra um diretor falando do filme dele e ele se anuncia como alguém vindo do Grajaú, e lembremos que ele está muito longe de ser uma exceção. Qual era a possibilidade real de alguém do Grajaú fazer um filme na época da Embra? Naquela época tinha, tipo, 100 diretores no Brasil. Hoje tem quantos? 3000? Tinha (se tanto) 3 roteiristas. Hoje tem quantos? 5000? Como é que isso não é positivo? Como isso poderia ter acontecido sem o “renascimento”, causado pela morte de um sistema e implantação de outro(s)? Existiria um pernambucano como Kleber Mendonça? Teria espaço para um publicitário paulista como Fernando Meireles? Não dá pra ter certeza. Mas dá pra ter certeza que depois da Retomada teve espaço pra esses e tantos mais, numa lista longa.

Collor acabou com a Embrafilme mas graças à sua “canetada” o Cinema Nacional foi reinventado, e reinventado pra melhor, o que certamente não teria acontecido se aquela empresa estatal continuasse praticamente monopolizando a produção nacional. Hoje produzimos muito mais filmes, hoje nossos filmes têm uma qualidade brutalmente superior do que naquela época e hoje existe uma diversidade e um colorido no Cinema Nacional que nem ao menos seria possível naquele modelo. Pode ser até que ele tenha feito de uma forma atabalhoada, imperiosa, por ser um cara como era, mas cá entre nós, qual era a outra opção? Colocar em votação? Como votariam os Barretões da época pelo fim da Embrafilme? Se ele fosse consultar a área, quem o apoiaria? E quem hoje apoiaria a volta da Embrafilme?

Aliás, quer ter um pesadelo hoje à noite? Imagina como seria se ainda existisse a Embrafilme, e hoje ela estivesse nas mãos deste presidente que temos... A produtora “dele” ia fazer só filmes evangélicos. E ponto final.

Qual é a grande dificuldade que tem de alguém falar o que me parece não mais do que óbvio? E se ninguém diz, digo eu: No momento em que o Collor fechou a Embrafilme eu também fiquei perplexo, mas hoje não tenho a menor dúvida que isso foi extremamente positivo pro Cinema Nacional. Eu entendo o discurso da Fernandinha, se dito em 90. Mas em 2019??! Como é que hoje alguém em sã consciência pode negar que aquilo foi bom?

Talvez esse outro “midpoint” que estamos vivendo agora sirva pra gente entender de vez que não é possível nem saudável ter uma atividade que dependa 100% de dinheiro público, talvez isso sirva pra entendermos que é a hora de se começar a pensar em alcançarmos algum tipo de sustentabilidade no setor, ainda que a longo prazo e ainda que parcial. Ou de pelo menos almejarmos isso, que pelo menos esse viés entre na pauta, tema que desde 69 nunca mais participou das nossas preocupações.

O problema dessa cegueira voluntária, dessa negação sistemática do óbvio, dessa falta de avaliação com distanciamento crítico da evolução dos fatos, é que isso oblitera nossa visão e não nos deixa preparados para outros percalços, como o que estamos vivendo agora. Eu percebo mesmo o governo atual como uma ameaça ao Cinema Nacional, mas o que tem que se tirar disso não é um chororô requentado, nem um novo mote de vitimização. O que tem que se tirar disso são novas oportunidades de aprimoramento e fortalecimento do setor. Não notar onde podemos estar errando ou o que nos deixa vulneráveis é repetir o erro do apego que se tinha à Embra. E esse erro – feito até mesmo por pessoas por quem não se tem a menor suspeita quanto à sua inteligência – se repete pela incapacidade de notar quando é hora de mudar e o quanto as mudanças podem gerar melhorias.

Para encarar esse novo vendaval que evém chegando, sugiro que usemos menos os óculos da Fernanda Torres e mais os olhos da Carla Camurati.

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